Átomo para a América Latina
de volta ao conteúdo– Descreva, por favor, de forma breve, o panorama energético nos países da América Latina.
Os países da América Latina são muito diferentes em termos de desenvolvimento em infraestrutura, incluindo as capacidades de geração e o sistema de transmissão de energia elétrica. Neste sentido, é possível apontar uma série de importantes desafios que esses países têm de enfrentar.
Um deles é a dependência de um certo tipo de energia. Em muitos países, as principais fontes de produção são atualmente as centrais hidrelétricas. Por exemplo, no Brasil, a percentagem de centrais hidrelétricas na produção total de eletricidade é superior a 70%. Devido a esta característica, o Brasil, a Costa Rica e a Guatemala experimentam periodicamente problemas de fornecimento de energia durante longos períodos secos, quando o volume de produção diminui e o custo da energia eléctrica no mercado aumenta significativamente.
Além disso, alguns países, como o Chile, têm de comprar quantidades significativas de energia do estrangeiro.
Curiosamente, os países latino-americanos que desenvolvem energia nuclear, como Argentina, Brasil e México – estão planejando a construção de novas capacidades de produção. O Brasil, em particular, está desenvolvendo um projeto para concluir a construção da Unidade 3 da Central Nuclear “Almirante Álvaro Alberto” (“Angra-3”), tendo também revelado a intenção de aumentar a geração nuclear para 10 GW.
O México também recentemente reintroduziu no programa de desenvolvimento energético planos para a construção de novas instalações nucleares, com capacidade de 1,5 GW. Por sua vez, a Argentina está à procura de parceiros para a construção de novas centrais nucleares (NPP). Com base nisso, podemos chegar à conclusão de que os países que já dominam a energia nuclear a consideram como uma fonte de geração estável, rentável e sustentável ao meio ambiente.
– Quais são as tendências no setor da energia e quais são os objetivos que os governos da região pretendem alcançar?
O principal objetivo no setor energético de qualquer país é assegurar um fornecimento ininterrupto de eletricidade a baixo custo, para satisfazer as necessidades crescentes da indústria e melhorar a qualidade de vida da população, preservando ao mesmo tempo o meio ambiente. Cada país enfrenta este desafio da maneira própria: alguns apostam na energia nuclear, enquanto outros optam por fontes renováveis, como a energia eólica e solar. Esta tendência é forte na Argentina, Chile, Brasil e outros países que têm as condições naturais necessárias para isso.
Ao mesmo tempo, há interesse em desenvolver a energia nuclear na região. Por exemplo, o Chile analisou o potencial de uso dos pequenos reatores nucleares em condições de atividade sísmica alta, que são características deste país.
Por sua vez, o Instituto Nacional de Investigação Nuclear do México (ININ) está estudando as oportunidades de utilizar os reatores de baixa e média potência, para abastecimento das zonas remotas e de difícil acesso do país.
Além disso, o governo do Brasil demonstra interesse nos pequenos reatores modulares (SMR). A convite do Ministério da Energia do país, realizamos há dois anos um workshop dedicado às tecnologias russas dos pequenos reatores modulares (SMR), onde apresentamos as suas vantagens do ponto de vista técnico e económico.
– Por que o desenvolvimento ativo da energia nuclear pode ser a melhor solução para a região?
Na minha opinião, para um sistema de energia estável e eficiente, é necessário assegurar uma combinação ótima de diferentes tipos de geração. Neste sentido, a geração nuclear tem vantagens indiscutíveis como fonte de base. Ao mesmo tempo, a disponibilidade desta capacidade permite desenvolver tipos de geração alternativos menos estáveis, tais como a solar e a eólica.
– Alguns países da região já têm uma experiência bem-sucedida de muitos anos com a energia nuclear. Conte-nos, por favor, sobre a história do surgimento, o estado atual e as peculiaridades das unidades de energia nuclear EMBALSE, ATUCHA (Argentina), Angra (Brasil) e Laguna Verde (México).
Atualmente, apenas três países da América Latina possuem centrais elétricas nucleares: Argentina, Brasil e México. Ao mesmo tempo, a participação da energia nuclear nestes países é extremamente pequena e representa apenas 2% da geração total no México, cerca de 3% no Brasil e aproximadamente 4% na Argentina.
A Argentina tem três centrais nucleares em funcionamento, que trabalham com urânio natural – “Atucha I”, “Atucha II” e “Embalse”. Além disso, ela está desenvolvendo o seu próprio pequeno reator modular CAREM 25.
O Brasil tem duas unidades nucleares em funcionamento na NPP “Almirante Álvaro Alberto” -“Angra I” e “Angra II”. Atualmente, são ativamente tomadas ações de desenvolvimento do projeto para a conclusão da terceira unidade desta central. A sua construção começou ainda nos anos 80, mas depois o projeto foi suspenso várias vezes por diversas razões e não foi concluído até agora. Já foi aberta uma licitação para a realização do procedimento de due diligence, para determinar o estado técnico e o custo de conclusão da construção. Os resultados da due diligence serão apresentados para potenciais vendedores – as grandes empresas internacionais, que poderão participar na licitação para a conclusão de “Angra 3”. No momento, o modelo de contrato EPC está sendo considerado como o modelo principal.
No México, está em funcionamento uma central nuclear, a NPP “Laguna Verde”, que foi comissionada nos anos 90. O governo anunciou anteriormente planos para a sua expansão, depois abandonou-os durante alguns anos, mas este ano a produção de energia nuclear foi novamente incluída nos planos de desenvolvimento energético. Gostaríamos de salientar que a Rosatom fornece já há vários anos 100% do urânio enriquecido para esta central.
– Como pode o desenvolvimento do setor nuclear influenciar a economia dos países da região? Que benefícios adicionais obtém um país que se desenvolve neste setor?
O desenvolvimento do complexo nuclear, tanto energético, como não energético, pode dar um impulso ao desenvolvimento económico da região e melhorar o nível de vida da população local. Eu gostaria de frisar que a energia nuclear é uma das fontes mais econômicas de eletricidade. Basta lembrar que cada dólar investido na construção de uma NPP gera 4,3 dólares para o PIB do país.
Os países da América Latina estão desenvolvendo mais intensamente as aplicações não energéticas da tecnologia nuclear e a Rosatom está pronta para compartilhar a sua experiência nesta área. Particularmente na Bolívia, a Corporação Estatal está levando adiante o projeto de construção do Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares, que contribuirá para o desenvolvimento da medicina e da ciência nuclear no país, bem como possibilitará a utilização da tecnologia nuclear na agricultura. Além disso, já assinamos um memorando de cooperação com a República Dominicana, que cria as bases para uma parceria no setor não energético.
Na região existe também um mercado de medicina nuclear muito promissor. No Brasil, em particular, a Rosatom é um dos maiores fornecedores de produtos isotópicos para as necessidades do setor da medicina nuclear. Também estamos desenvolvendo a cooperação com a Argentina e está prevista uma expansão da parceria com o México.
Além disso, recentemente realizamos diálogos produtivos com a Guatemala e a Costa Rica. Estes países também estão planejando iniciar trabalhos para desenvolver um marco legal que torne possível a aplicação das tecnologias nucleares nas áreas da saúde e agricultura.
Eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que as aplicações não energéticas das tecnologias nucleares podem ter um impacto positivo na economia da região e no nível de vida das pessoas. Por exemplo, o processamento por radiação dos produtos agrícolas permite prolongar o seu prazo de validade. Como resultado, as empresas locais podem enviar mais produtos para exportação e, como consequência, receber lucros mais elevados, fato que gera mais impostos para o Estado.
Além disso, a presença de um sector nuclear desenvolvido contribui para a criação de novos empregos e aumento do nível de educação entre a população local.
– Além da energia nuclear, que tecnologias nucleares já estão sendo desenvolvidas ou podem vir a ser desenvolvidas nos países da região?
Como eu já disse anteriormente, vemos perspectivas de cooperação na área da medicina nuclear e na agricultura, principalmente na aplicação da tecnologia de radiação no processamento de produtos. A Rosatom já tem uma experiência considerável no trabalho com os países da América Latina. Por exemplo, nós fornecemos instalações de irradiação para Cuba, Equador e Peru, onde estas estão em funcionamento, e agora está sendo analisada a possibilidade de sua modernização.
Além disso, estão sendo efetuadas negociações com investidores privados, sobre a possibilidade de realização de projetos de criação de joint ventures para a construção de centros de irradiação da produção agrícola e de esterilização de produtos de uso médico no Brasil e no México.
– O que a Rosatom oferece aos seus parceiros na região? Por favor, conte-nos sobre as áreas de cooperação que estão sendo implementadas hoje ou que estão sendo planejadas para implementação num futuro próximo?
Um dos projetos-chave da Corporação Estatal na América Latina é a construção do Centro de Pesquisa e Tecnologias Nucleares (CPTN) na cidade de El Alto, na Bolívia. Esta é a instalação nuclear de localização mais alta do mundo, sendo construída a uma altitude de 4.000 metros acima do nível do mar. A implementação deste projeto irá elevar a medicina local a um novo nível. Além disso, o projeto dará uma contribuição significativa para o desenvolvimento de infraestrutura urbana e criará cerca de 500 empregos altamente qualificados para os moradores de El Alto e La Paz. No futuro, em caso de ampliação das funções do CPTN, o projeto ajudará também a proporcionar à população local uma alimentação saudável e garantir a segurança dos alimentos na região. Para nós, este é um projeto de referência na região e já estamos notando o interesse dos países vizinhos em projetos semelhantes.
Além disso, estamos planejando expandir a cooperação com o Brasil no fornecimento de produtos isotópicos. Num futuro próximo, será assinado um contrato para o fornecimento de novos tipos de isótopos, tais como o lutécio e o actínio. Ademais, participamos regularmente em licitações para o fornecimento de produtos de urânio e já há quatro anos fornecemos urânio natural para a produção de combustível para as NPPs do Brasil.
Também notamos sérias perspectivas de cooperação no ciclo do combustível nuclear com a Argentina.
Trabalhamos com muitos países da América Latina, com alguns deles estamos dando os primeiros passos no desenvolvimento da cooperação. Caso haja interesse por parte dos parceiros, assinamos memorandos de cooperação que definem as áreas específicas de trabalho conjunto. Posteriormente, são criados grupos de trabalho para a preparação de acordos intergovernamentais, com os quais se pode formar uma base legislativa para a implementação de projetos maiores na área de desenvolvimento da energia nuclear e de outras tecnologias nucleares.
– Quais são as atividades do centro regional? Fale, por favor, dos projetos, planos e tarefas em curso.
A nossa principal tarefa é procurar novas oportunidades de negócios, apoiar os projetos correntes na fase de implementação e assegurar o crescimento da receita e carteira de pedidos da Corporação Estatal “Rosatom” na América Latina. Precisamos estar mais próximos dos nossos clientes, sentir as suas necessidades, e ajudá-los a resolver problemas atípicos (fora do padrão).
Para o desempenho destas tarefas, realizamos regularmente reuniões de negócios, analisamos o mercado, preparamos propostas, inclusive no tocante às aquisições, fusões, e criação de joint ventures com outras empresas. Além disso, disponibilizamos canais de comunicação e prestamos informações sobre os produtos e serviços das empresas da Rosatom, analisando a melhor forma de introduzi-los no mercado local de modo competitivo e a forma de torná-los mais interessantes para uma determinada região.
É claro que, ao fazer negócios na América Latina, dedicamos tempo e recursos consideráveis à responsabilidade social. Em particular, estamos implementando vários grandes projetos no Brasil nesta área.
Desde 2021, temos uma parceria com uma organização brasileira sem fins lucrativos – Instituto Vida Livre, instituição dedicada ao resgate e reabilitação de animais afetados pelo tráfico de animais selvagens, caça, acidentes e outros tipos de atividades humanas no seu habitat.
Além disso, em 2020, no auge da pandemia, o centro regional da Rosatom apoiou um movimento social dos moradores de um dos bairros mais pobres do Rio de Janeiro, Cidade de Deus – Frente CDD – e o grupo artístico local Os Arteiros. Realizamos um evento social conjunto, onde mais de 300 famílias necessitadas receberam alimentos e equipamentos de proteção pessoal para o combater a propagação do coronavírus. E em outubro, como marco desta parceria, foi realizado um espetáculo “Amores”, com a participação de crianças provenientes de famílias pobres.
Para a Rosatom, é de grande importância a formação de especialistas altamente qualificados, que no futuro ajudarão a desenvolver a indústria, e por isso nós apoiamos as universidades especializadas russas no seu trabalho para desenvolver a cooperação com universidades na América Latina e para atrair estudantes estrangeiros para estudar na Rússia. Especificamente em 2020, a principal universidade da Corporação Estatal Rosatom- Universidade Nacional de Pesquisa Nuclear (UNPN) MEPhI e o Instituto Brasileiro de Energia e Pesquisa Nuclear (IPEN) assinaram um memorando de acordo sobre a cooperação na realização de programas conjuntos de pesquisa e ensino.