Fusão termonuclear: no caminho para a geração de energia
Assine o boletim informativo
Fazer sua inscrição
#295Novembro 2025

Fusão termonuclear: no caminho para a geração de energia

de volta ao conteúdo

A AIEA publicou seu relatório intitulado World Fusion Outlook 2025 (Perspectivas Mundiais para a Fusão), apresentando os principais projetos e avanços recentes em tecnologia, regulamentação e estratégias, juntamente com a primeira avaliação financeira dos custos da energia de fusão e seu impacto no setor energético global e na economia. A tendência mais importante é a transição da pesquisa e desenvolvimento para a construção e aplicação prática. A Rússia, líder mundial em energia de fusão, está moldando essas tendências por meio da participação em projetos internacionais e do lançamento de suas próprias iniciativas.

Principais tendências

“O panorama da energia de fusão continua a se desenvolver a um ritmo extraordinário. O que antes se limitava à pesquisa experimental e às aspirações de longo prazo está agora se tornando rapidamente uma pedra angular das estratégias energéticas nacionais e do planejamento industrial”, afirma o diretor geral da AIEA, Rafael Grossi, no prefácio do relatório World Fusion Outlook.

As principais tendências podem ser resumidas da seguinte forma: os países estão formulando políticas específicas para a fusão. As empresas estão selecionando locais e projetando a primeira geração de usinas de energia. De acordo com a AIEA, mais de 160 instalações de fusão estão planejadas, em construção ou em operação em todo o mundo. Os órgãos reguladores estão começando a emitir orientações específicas, com quase 40 países já tendo programas dedicados à energia de fusão. Os usuários finais estão discutindo contratos de compra de energia, as concessionárias estão formando alianças estratégicas com desenvolvedores de tecnologia de fusão e as principais indústrias (automotiva, geração de energia convencional, aeroespacial e tecnologia digital) estão incorporando os avanços da fusão em seus portfólios de energia de longo prazo. O investimento privado global em tecnologias relacionadas ultrapassou US$ 10 bilhões.

“Essa convergência entre progresso científico, interesse comercial e atenção política marca uma mudança decisiva: a energia de fusão está entrando em uma nova fase de implementação no mundo real”, comenta Rafael Grossi.

Em 2024, a AIEA criou o Grupo Mundial de Energia de Fusão para reunir partes interessadas públicas e privadas, instituições de pesquisa e acadêmicas e autoridades regulatórias. O objetivo do grupo é compartilhar experiências e construir conexões e entendimento mútuo.

Progresso na fusão controlada

O Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER) é o principal projeto de fusão do mundo. A Rússia é tanto a fundadora do projeto quanto uma importante colaboradora. Os engenheiros russos estão atualmente se preparando para fabricar painéis cujo material da primeira parede é tungstênio (anteriormente planejados para serem feitos de berílio) e estão desenvolvendo tecnologias para aplicar neles um revestimento de carboneto de boro destinado a impedir a entrada de impurezas no plasma. Os institutos de pesquisa russos estão planejando testes térmicos cíclicos usando feixes de elétrons e verificações de qualidade do revestimento por meio de irradiação com clusters de plasma pulsado. Para o ITER, esses são estudos de importância crítica que afetam diretamente o futuro do projeto. A parte russa cumpre todas as suas obrigações relativas ao fornecimento de equipamentos para o ITER dentro de sua responsabilidade.

O relatório lista projetos de fusão em andamento em vários países, como o JT-60SA, um projeto conjunto entre Japão e Europa, o EAST da China, o SPARC e o NIF dos Estados Unidos, o W7-X da Alemanha e outros. Experimentos nessas instalações já produziram resultados importantes, incluindo recordes de temperatura e tempo de confinamento do plasma.

Estratégias nacionais

Conforme observado no World Fusion Outlook da AIEA, muitos países atualizaram suas estratégias de energia de fusão ao longo do último ano, expandindo-as agora para além dos programas de pesquisa pura e para os componentes das políticas energéticas, industriais e externas. “Isso reflete um reconhecimento mais amplo de que a energia de fusão está progredindo em direção à viabilidade prática. De olho nas oportunidades que se apresentam, os governos estão fazendo investimentos e desenvolvendo políticas para apoiar a implantação futura”, observam os autores do relatório.

Por exemplo, a Rússia está trabalhando no programa federal Thermonuclear Fusion Technologies (Tecnologias de Fusão Termonuclear) como parte de seu projeto nacional New Nuclear and Energy Technologies (Novas Tecnologias Nucleares e Energéticas). Seu objetivo principal é conduzir as pesquisas necessárias e desenvolver tecnologias fundamentais para futuras soluções de energia de fusão.

Rússia

A Rússia opera várias instalações de fusão, como os tokamaks T-15MD e T-11M e o tokamak esférico Globus-M2.

Os engenheiros russos prepararam o projeto preliminar para um tokamak de última geração, o chamado Tokamak com Tecnologias de Reator (TRT). A construção está prevista para começar nos próximos anos. Com base em décadas de experiência nacional em fusão por confinamento magnético, espera-se que o projeto TRT estabeleça as bases para a pesquisa nacional, o que, por sua vez, contribuirá para o avanço global da fusão. O TRT deverá facilitar experimentos de física de plasma e testes de materiais avançados e será integrado a colaborações internacionais de pesquisa.

Marco legal

“Embora atualmente não exista uma definição globalmente harmonizada sobre usina de energia de fusão, muitas jurisdições reconhecem a necessidade de estabelecer estruturas regulatórias claras para máquinas de fusão destinadas a produzir eletricidade ou calor para uso comercial”, escrevem os autores do World Fusion Outlook.

Os países estão explorando ativamente abordagens para regulamentar a energia de fusão. Alguns já introduziram normas regulatórias para instalações de fusão com fins de pesquisa. Estas servem como base e precedente para o estabelecimento de um marco legal e podem ser aplicadas a futuras usinas de energia de fusão diretamente ou após as modificações necessárias.

O relatório da AIEA, provavelmente devido a restrições de tempo, não inclui as mudanças recentes nas regulamentações russas sobre energia de fusão. Em 1º de agosto, o presidente russo assinou a Lei Federal nº 342-FZ, que compreende emendas à Lei sobre o Uso da Energia Atômica. De acordo com as alterações, os fundamentos jurídicos e os princípios que regulam a utilização da energia nuclear e aspectos relacionados estendem-se agora às instalações de fusão em fase de projeto ou em funcionamento, incluindo as que contêm materiais nucleares, materiais não nucleares específicos e substâncias radioativas destinadas a reações de fusão termonuclear envolvendo átomos leves. As alterações entrarão em vigor em 1º de janeiro de 2027.

Supercondutores de alta temperatura

Uma seção especial do World Fusion Outlook da AIEA é dedicada aos supercondutores de alta temperatura (HTS). “Ao permitir intensidades de campo magnético mais altas em geometrias mais compactas, os materiais HTS oferecem novos caminhos para acelerar o desenvolvimento da fusão e desenvolver produtos finais economicamente atraentes”, afirma o relatório. O documento descreve os desafios enfrentados na fabricação, instalação e uso de ímãs HTS. Por exemplo, campos magnéticos mais altos geram tensões eletromagnéticas maiores, e geometrias mais compactas aumentam os fluxos de calor do plasma para a superfície interna da máquina na ausência de mitigação. No entanto, os autores observam o número crescente de projetos públicos e privados que utilizam ímãs HTS para reduzir o tamanho dos dispositivos, os custos de construção e os prazos de desenvolvimento.

Impacto das tecnologias de fusão no setor energético e na economia

As tecnologias de fusão avançaram a um nível em que começaram as avaliações globais dos custos das usinas de energia de fusão. Por exemplo, o World Fusion Outlook cita outro relatório, intitulado The Role of Fusion Energy in a Decarbonized Electricity System (O papel da energia de fusão em um sistema elétrico descarbonizado), elaborado pela Iniciativa de Energia do MIT em colaboração com o Centro de Ciência e Fusão de Plasma do MIT e adaptado para publicação pela AIEA.

Os pesquisadores reconhecem que os custos futuros da geração de eletricidade baseada em fusão são difíceis de determinar, então avaliaram o impacto das faixas de custo presumidas, considerando também a curva de aprendizado. Eles usaram estimativas de custos de capital por kW de capacidade instalada, refletindo os custos das usinas de energia de fusão nos EUA. Os pesquisadores observaram que esses custos seriam diferentes em outros países e dependeriam dos preços da eletricidade, custos de mão de obra e investimento de capital.

No caso base (US$ 8.000/kW), estima-se que a geração de eletricidade a partir da fusão cresça de 2 TWh em 2035 para 375 TWh em 2050 e para 25.000 TWh em 2100. A participação da energia de fusão na produção global de eletricidade no caso base chegaria a 15% em 2075 e 27% em 2100.

Os pesquisadores também modelaram o benefício econômico potencial da energia de fusão: “Em comparação com um cenário de descarbonização sem eletricidade de fusão, o PIB global acumulado seria 0,4% maior no caso base (com custo de fusão em 2050 de US$ 8.000/kW) e 0,9% maior no caso de custo mais baixo (US$ 5.600/kW). Esses resultados indicam que os investimentos no desenvolvimento e na implantação da tecnologia de fusão podem criar valor para a economia global e apoiar os esforços para atingir as metas de descarbonização ao longo deste século.”