Previsões termonucleares
de volta ao conteúdoEm suas 10 previsões impactantes anuais, o Saxo Bank diz que “o design de fusão revolucionário vai catapultar a humanidade para a abundância de energia”.
Peter Garnry, Diretor de Estratégia de Ações do Saxo Bank, acredita que a humanidade ainda é incapaz de abraçar novas tecnologias devido à escassez de eletricidade. Ao escrever sobre energia elétrica, ele disse: “Da madeira ao carvão e aos combustíveis fósseis, a energia de alta densidade vai possibilitar setores totalmente novos, bem como maior produtividade e mais riqueza para a sociedade. E quando olhamos para as tecnologias promissoras do futuro, desde os trens Hyperloop e a IA até a produção de hidrogênio por eletrólise e dessalinização de água, a principal limitação é a existência de uma energia mais barata e de alta densidade. O mundo vai precisar de muito mais energia para que nossa economia continue crescendo a um ritmo próximo às séries históricas…”.
Para ele, novas alternativas às energias renováveis não serão capazes de reduzir drasticamente os custos e aumentar a escala de geração de energia. “Sim, elas podem ser menos prejudiciais ao meio ambiente, mas seus efeitos em todo o sistema devido à densidade de energia mais baixa significam que elas realmente são um grande retrocesso. O mundo precisa urgentemente de uma ruptura na tecnologia de energia”.
A fusão termonuclear pode ser uma solução para o problema. “Ela entra em 2021, um ano em que um algoritmo de IA avançado resolve as complexidades super não lineares da física do plasma, abrindo caminho para a energia de fusão comercial” A densidade de energia na fusão termonuclear é na verdade a mais alta entre as fontes de energia conhecidas, chegando a 645 milhões de MJ por quilograma. Para efeito de comparação, a densidade de energia de um motor de combustão interna (menos o peso do gerador) é de 8 a 10,5 MJ/kg.
As previsões do Peter Garnry são inspiradas no SPARC, um reator termonuclear experimental desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts com o apoio do Departamento de Energia dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos não são o único país que pesquisa a fusão termonuclear e sua apli cação prática: China, Rússia e Europa estão também no mesmo caminho.
A Rússia conduz pesquisas sobre fusão termonuclear tanto de forma independente quanto como parte do projeto International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER). Na Rosatom, duas organizações estão engajadas na pesquisa termonuclear: o Instituto de Pesquisa Científica de Física Experimental Panrusso (VNIIEF) em Sarov, que estuda a fusão por confinamento inercial, e o Instituto Kurchatov, que é especializado em fusão por confinamento magnético.
Fusão inercial no VNIIEF
Convencionalmente, a fusão termonuclear inercial é obtida da seguinte forma: um alvo de combustível esférico contendo várias camadas de combustível e as cápsulas são comprimidas a uma densidade que excede a densidade normal em três ordens de magnitude. O alvo é comprimido por lasers de alta energia ou feixes de íons. Sua energia evapora para a camada externa do alvo de combustível, produzindo uma força de reação contra a camada interna, comprimindo o alvo. A onda de choque resultante deve ser forte o suficiente para elevar a temperatura do combustível a um nível suficiente para que uma reação termonuclear possa iniciar.
No início de dezembro de 2020, o VNIIEF lançou o primeiro módulo de unidade de laser UFL-2M mais poderoso do mundo, necessário para a realização de experimentos de fusão por confinamento inercial e estudar propriedades de materiais sob condições extremas (pressão e temperatura ultra-altas).
O primeiro módulo possui oito canais de raios laser. No total, o UFL-2M terá 192 canais de raios laser. Isso significa que 192 feixes de laser atingirão o alvo por diversos lados. Os alvos termonucleares colocados dentro da unidade receberão 1,5 vezes mais energia de pulso que os alvos recebem no National Ignition Facility (NIF), com sede nos Estados Unidos, que é por ora o gerador de feixes de laser mais poderoso entre os em operação ou em construção.
“O VNIIEF continua melhorando suas capacidades computacionais para modelar o comportamento do alvo de combustível durante a fusão de confinamento inercial, estuda os processos físicos dentro do alvo e aperfeiçoa os parâmetros do processo de ignição termonuclear. Nos próximos anos, esperamos obter mais dados experimentais sobre a unidade de laser que estamos construindo”, disse Artyom Gnutov, Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto de Física Teórica e Matemática do VNIIEF.
O novo conhecimento permitirá uma melhor compreensão dos processos estelares e que sejam encontradas possibilidades para a criação de novas fontes de energia. Os experimentos com a nova unidade de laser começarão em 2021. “O VNIIEF tem todas as possibilidades de ser o primeiro no mundo a alcançar a ignição termonuclear em alvos”, disse Sergei Garanin, membro da Academia Russa de Ciências , vice-diretor de Física Laser do VNIIEF e projetista geral de sistemas de laser.
Fusão por confinamento magnético no Instituto Kurchatov
A fusão de confinamento magnético, como o nome indica, usa um campo magnético para manter o plasma de alta temperatura dentro do tokamak sem tocar em suas paredes. O tokamak é uma transcrição da sigla russa que significa “câmara toroidal com bobinas magnéticas”.
Em dezembro de 2020, uma equipe de pesquisadores do Instituto Kurchatov criou um projeto conceitual para uma unidade híbrida que usará fusão termonuclear e fissão nuclear. A fusão termonuclear será usada como uma fonte de nêutrons para controlar a fissão nuclear no núcleo de um reator nuclear convencional. “A alimentação do plasma com combustível termonuclear (isótopos de hidrogênio pesado, deutério e trítio), a retirada de produtos de fusão (hélio) e, o mais importante, a possibilidade do uso repetido da mistura de combustível no processo de reabastecimento garantirá o funcionamento contínuo do sistema híbrido e do reator termonuclear” disse Sergei Ananyev, pesquisador sênior do Instituto Kurchatov, explicando as vantagens da unidade híbrida.
Outra vantagem da tecnologia híbrida desenvolvida pelo Instituto Kurchatov é que ela pode queimar resíduos nucleares de longa duração de usinas nucleares, como actinídeos menores, e obter novos combustíveis para os reatores de fissão.
O próximo passo é a construção de uma instalação piloto com capacidade térmica de até 500 MW.
ITER
A Rússia continua participando do projeto ITER. O objetivo é construir um reator termonuclear do tipo tokamak e demonstrar a possibilidade de usar a fusão controlada em aplicações comerciais. Os países participantes do projeto são Rússia, Índia, China, Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão e países da União Europeia.
Segundo o contrato, a Rússia se compromete a fornecer 25 sistemas de equipamentos de alta tecnologia para o ITER. Dois deles — os supercondutores de Nb3Sn e de NbTi — f oram fabricados e entregues no prazo. Os supercondutores de fabricação russa foram reconhecidos como tendo a mais alta qualidade do mundo.
Em novembro de 2020, a Rosatom fez a primeira remessa de aparelhagem elétrica (swithgear) para o sistema de alimentação das bobinas do eletroímã supercondutor do ITER. A primeira remessa consistia em dez aparelhagens e dez quadros de controle. Eles estão projetados para proteger os conversores AC-DC em situações de emergência.
A remessa também incluiu sondas de fibra óptica para medir a temperatura dos contatos elétricos e monitorar a condição do barramento. “As sondas de fibra ótica garantem um isolamento galvânico natural e são resistentes a interferências eletromagnéticas e flutuações no campo magnético. Também permitem construir sistemas com milhares de pontos de medição a grandes distâncias uns dos outros, o que é muito importante para o ITER cujos barramentos têm um comprimento total superior a 5.000 metros”, explicou Maxim Manzuk, Chefe da Unidade BI-4 do Centro de Ciência e Tecnologia Sintez do Instituto de Pesquisa Efremov da Rosatom.
e outros projetos de pesquisa internacionais
Pesquisadores do Instituto Kurchatov participam da Colaboração Borexino. Recentemente, os cientistas encontraram evidências de que o hélio no Sol é sintetizado a partir do hidrogênio não apenas no processo de reações da cadeia próton-próton, mas também na reação envolvendo carbono, nitrogênio e oxigênio (o ciclo CNO). O físico germano-americano Hans Albrecht Bethe, que recebeu o Prêmio Nobel por sua descoberta em 1967, desenvolveu a teoria que descreve essa reação. A proporção dessa reação no Sol é de aproximadamente 1 %.
“Pesquisas futuras nos ajudarão a entender melhor os processos estelares e obter mais informações sobre a composição química do Sol” salientou Mikhail Skorohvatov, Chefe da Divisão de Física de Neutrinos do Instituto Kurchatov.
Perspectivas termonucleares
Peter Garnry do Saxo Bank acredita que a fusão termonuclear é uma fonte nova e abundante de eletricidade muito barata, “O domínio da energia de fusão abre a perspectiva de um mundo que não é mais reprimido pela escassez de água ou alimentos, graças à dessalinização e à agricultura vertical. É um mundo com transporte barato, robótica totalmente desenvolvida e tecnologia de automação, tornando a geração jovem de hoje a última que precisa “trabalhar” por necessidade. E, por outro lado, o que você acha de termos um pequeno sequestro de CO2, fazendo o relógio das mudanças climáticas andar para trás durante esse processo? O melhor de tudo é que a energia de fusão permite que quase todos os países se tornem autossuficientes em alimentos e energia e experimentem a maior e mais rápida melhoria nos padrões de vida já vista…”.
No entanto, considerando a posição do Sr. Garnry, podemos presumir que seu objetivo principal é redirecionar os investimentos. “Ainda mais importante, um investimento maciço dos setores público e privado permitiria a implementação do novo desenho de fusão em poucos anos”, disse Peter Garnry.
Mesmo uma breve visão geral do trabalho sobre fusão termonuclear realizado por cientistas russos mostra que as tarefas de pesquisa atuais vão muito além da geração de energia para empresas e residências, mas também atingem questões como a geração de energia em circuito fechado e a pesquisa sobre a natureza das estrelas. “A fusão termonuclear controlada é um osso duro de roer na ciência. A pesquisa em fusão termonuclear é realizada em muitos países e serve como um dos símbolos do desenvolvimento tecnológico. Frequentemente, ela estimula o progresso em outras áreas, como ciência fundamental, estudos de materiais, lasers, tecnologia de plasma e outros. A Rússia se mantém atualizada, desenvolvendo projetos próprios e continuando com as pesquisas”, disse Artyom Gnutov.
As possibilidades de geração termonuclear para fins comerciais ainda precisam ser estudadas; é uma tarefa para as parcerias internacionais. Não é de admirar que os pesquisadores russos acreditem que um novo mundo movido a energia termonuclear comercial não seja uma realidade em 2021 ou nos próximos anos.
“Por um lado, o conhecimento que acumulamos nos aproxima das aplicações práticas da fusão termonuclear. Por outro lado, percebemos com mais clareza o quão difícil é essa tarefa. Os cientistas falharam muitas vezes em até mesmo prever quando atingirão uma reação termonuclear significativa em condições de laboratório, uma tarefa difícil, mas muito mais simples do que construir um reator termonuclear. Por isso o uso comercial da energia termonuclear não é algo que acontecerá nos próximos anos. É preciso estar muito otimista para acre
ditar que tiraremos proveito disso em 20 a 30 anos”, disse Artyom Gnutov.
No entanto, ele concordou que a energia termonuclear, quando se tornar uma realidade, trará mudanças dramáticas para a indústria e a economia de energia, abrirá o acesso a tecnologias intensivas em energia e, em geral, mudará nossas vidas para melhor.