O setor nuclear está crescendo, mas a participação está estagnada
de volta ao conteúdoEm novembro, a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou seu Panorama Energético Mundial, apresentando uma visão geral da situação atual e passada dos setores energéticos, prevendo o futuro e delineando os principais desafios e riscos. O setor nuclear está crescendo, mas não tão rapidamente quanto outros setores de energia.
O relatório da AIE afirma que a instabilidade é o fator determinante da realidade global atual e que a segurança energética é a principal preocupação.
Os principais riscos destacados pela AIE incluem turbulências e conflitos geopolíticos, oferta restrita em meio à crescente demanda no mercado de petróleo, limitações no fornecimento de minerais críticos, ameaças cibernéticas e riscos industriais e climáticos. “As decisões tomadas pelos formuladores de políticas energéticas serão cruciais para lidar com esses riscos, mas isso ocorre em um contexto complexo”, observa o relatório.
O mundo continua a enfrentar uma escassez de energia. A energia permanece, como frequentemente aconteceu no passado, no centro das tensões geopolíticas modernas. Nessas condições, os países se esforçam para garantir a segurança energética e a disponibilidade de recursos energéticos, mas buscam esse objetivo por meios diferentes: “Alguns, incluindo muitos países importadores de combustíveis, inclinam-se para as energias renováveis e a eficiência energética como soluções. Outros se concentram mais em garantir o amplo fornecimento de combustíveis tradicionais”, acreditam os autores.
Todos os tipos de geração de energia estão em ascensão: “As energias renováveis estabeleceram novos recordes de implantação em 2024 pelo 23º ano consecutivo. O consumo de petróleo, gás natural e carvão, bem como a produção nuclear, também atingiram níveis recordes”, afirma o relatório.
Outra tendência importante observada pelos analistas da AIE é a diminuição da intensidade dos esforços para reduzir as emissões tanto em nível nacional quanto internacional. Desde 2019, a demanda por carvão, impulsionada principalmente pela China, cresceu 50% mais rápido do que a demanda por gás natural, o segundo combustível fóssil de crescimento mais rápido. Este é um dos principais motivos para o aumento contínuo das emissões relacionadas à energia.
Situação atual
Desde 2010, a demanda global de energia aumentou mais de 20%. Em 2024, continuou a crescer, com um aumento de 2%, ultrapassando 650 exajoules (EJ). Esse valor é muito superior à taxa média de crescimento de 1,4% registrada entre 2010 e 2023. Os combustíveis fósseis supriram quase 80% da demanda total de energia em 2024. A geração de energia eólica e solar apresenta crescimento constante (quase 700 TWh). A produção de energia nuclear, que havia sofrido uma queda no início da década de 2010, aumentou desde então devido à entrada em operação de novas unidades e à retomada das atividades de reatores anteriormente paralisados. O relatório classifica esse aumento como “forte”, mas, em comparação com outras fontes de energia, o volume de eletricidade gerada por energia nuclear permanece baixo (superando apenas a biomassa).
O aumento da capacidade nuclear instalada globalmente também parece extremamente modesto, com uma média de apenas 8 GW por ano na última década. Em comparação, a capacidade solar instalada globalmente cresceu dez vezes no mesmo período, atingindo 540 GW em 2024.
O investimento em energia em 2024 subiu para 3,2 trilhões de dólares, um valor significativamente superior à média de 2,6 trilhões de dólares da década anterior. O gráfico apresentado pela AIE revela que a energia nuclear recebe menos investimentos não apenas em comparação com segmentos populares e de rápido crescimento, como eficiência energética, energias renováveis e armazenamento em baterias, mas também em comparação com setores como petróleo, gás e até mesmo carvão. Um aumento de 70% nos investimentos nos últimos cinco anos parece positivo, mas quando comparado à duplicação dos investimentos em painéis solares no mesmo período, fica claro que a taxa de crescimento (especialmente considerando a base de comparação mais baixa) é, infelizmente, pequena.
A Europa e os EUA deixaram de ser líderes no setor nuclear. “A energia nuclear sofreu atrasos significativos e estouros de orçamento nos últimos anos para reatores de grande escala na Europa e nos Estados Unidos, que, em média, foram concluídos oito anos depois do planejado e custaram 2,5 vezes mais do que o estimado inicialmente”, afirma o relatório. O documento menciona, porém, que alguns projetos nucleares na Rússia, China e Coreia foram concluídos mais próximos dos cronogramas e orçamentos originais.
Previsões energéticas
Tradicionalmente, a AIE apresenta diversos cenários de desenvolvimento energético em seu relatório World Energy Outlook (Perspectiva Energética Global). O Cenário de Políticas Atuais (CPS) oferece um panorama das políticas e regulamentações existentes, apresentando uma avaliação cautelosa da velocidade com que as novas tecnologias energéticas são implantadas e integradas à rede elétrica. O Cenário de Políticas Declaradas (STEPS) inclui políticas oficialmente propostas, mas ainda não implementadas, bem como outros documentos estratégicos que indicam a direção do desenvolvimento energético. Este cenário pressupõe que as barreiras à adoção de tecnologia sejam menores do que no CPS. Esses dois cenários parecem ser considerados os mais prováveis. O relatório também apresenta o cenário de Emissões Líquidas Zero (NZE) até 2050, que traça um caminho para reduzir as emissões globais de CO2 relacionadas à energia a zero até 2050, e o Cenário de Aceleração de Serviços de Cozinha e Eletricidade Limpa (ACCESS).
Cenário de Políticas Atuais
Nesse cenário, a demanda por eletricidade cresce em todos os lugares. Índia e Indonésia apresentam o maior crescimento. Espera-se que a energia solar e eólica se tornem competitivas em muitas regiões, mas sua implantação enfrentará desafios que desacelerarão o crescimento. Consequentemente, a adição anual de capacidade solar atinge uma média de 540 GW até 2035, o que, aliás, é comparável à capacidade instalada somente em 2024. O carvão permanece a maior fonte de geração de eletricidade global até 2035. A construção de novas usinas nucleares acelerará na década de 2030: “Mais de 40 países têm políticas em vigor para expandir o uso da energia nuclear, o investimento dobrou desde 2015 e há um número crescente de projetos em desenvolvimento: como resultado, a capacidade nuclear global no Sistema de Produção de Carvão (CPS) se expande em um terço até 2035”. Até 2050, o crescimento ultrapassa 80%. Analistas da AIE citam a retomada da operação de reatores no Japão e novas construções nos EUA, Japão, Coreia do Sul e França como fontes desse crescimento.
Para esclarecer, o crescimento será impulsionado principalmente por usinas nucleares na Rússia e na China, bem como pelos reatores nucleares na Europa, Ásia e África que a Rosatom está construindo ou se preparando para construir. De acordo com o Plano Diretor Nacional de Localização de Usinas Nucleares da Rússia para 2042, o país colocará em operação 38 usinas nucleares com capacidade total de 29,3 GW. A participação da energia nuclear na matriz energética russa aumentará de 18,9% em 2023 para 24% em 2042. O portfólio de projetos da Rosatom inclui 41 usinas nucleares, de grande e pequeno porte, em 11 países ao redor do mundo.
“A China responde por quase metade de toda a capacidade nuclear em construção atualmente e está a caminho de se tornar a maior operadora de energia nuclear do mundo por volta de 2030”, admite o relatório.
Apesar da energia nuclear crescer aproximadamente na mesma proporção que outras fontes de energia (por exemplo, carvão) na próxima década no CPS, a capacidade nuclear instalada em 2035 permanece no nível mais baixo em termos absolutos em comparação com outras fontes — devido à baixa base de comparação.
Cenário de Políticas Declaradas
Este cenário foi concebido para refletir a tendência predominante no desenvolvimento do setor energético, mesmo que as normas e regulamentações nacionais ainda não estejam legalmente codificadas.

De acordo com esse cenário, a geração de energia renovável será capaz de suprir toda a demanda global adicional de energia a partir da década de 2030. A participação das energias renováveis na geração de eletricidade aumentará de um terço atualmente para mais da metade em 2035 e dois terços em 2050, impulsionada principalmente pela energia solar e eólica combinadas com armazenamento em baterias. A geração de energia nuclear crescerá 40% até 2035, mantendo sua participação na produção total de eletricidade em torno de 9%. A AIE revisou sua previsão para a demanda nuclear nesse cenário, projetando um aumento de 4% em 2035 em relação à previsão anterior. De 2035 a 2050, caso o cenário STEPS se concretize, a energia nuclear crescerá mais 40%, mas ainda permanecerá em torno de 9%.
Em ambos os cenários, o investimento em energia nuclear aumenta até 2035, à medida que vários países tomam decisões finais de investimento em novos reatores de grande porte. O investimento aumenta 40% em relação aos níveis atuais, para mais de 100 bilhões de dólares por ano no cenário STEPS, e cerca de 30%, para mais de 90 bilhões de dólares por ano no cenário CPS. Ao analisar os investimentos em outros segmentos de energia, torna-se evidente que os valores investidos em energia nuclear são bastante modestos. Por exemplo, o investimento global em redes elétricas aumenta para cerca de 715 bilhões de dólares em 2035 no cenário CPS e 730 bilhões de dólares no cenário STEPS.
Algumas conclusões
O estado atual das coisas e os cenários mais prováveis apresentados no relatório da AIE mostram que a geração nuclear – um setor de alta tecnologia que atende às demandas de sustentabilidade ambiental, baixas emissões de carbono e produção estável – tem a menor participação entre todos os outros tipos de geração de eletricidade.
Considerando o crescimento global do consumo de eletricidade e, de forma geral, de recursos energéticos em todo o mundo, o setor nuclear terá que “correr muito rápido” apenas para manter sua participação atual (cerca de 9%) na matriz energética global.
Para alcançar melhores resultados, terá de “funcionar ainda mais rápido”. Isto requer decisões políticas adequadas, tecnologias, investimento e pessoal.
Felizmente, o ambiente de investimento está mudando gradualmente para melhor. No final de novembro, o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) alterou suas políticas para permitir investimentos em projetos de energia nuclear. O ADB também assinou um acordo de cooperação com a AIEA para apoiar os países da região Ásia-Pacífico na exploração do uso da energia nuclear em suas estratégias de energia e desenvolvimento. Uma decisão semelhante já havia sido tomada anteriormente pelo Banco Mundial.
É de se esperar que essas decisões e acordos sejam seguidos por outros. Tais investimentos possibilitarão a construção de novos reatores, grandes e pequenos, em todo o mundo, fornecendo eletricidade sustentável aos países, empregos interessantes e bem remunerados para as pessoas e fomentando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

