O inverno provocou uma demanda por sustentabilidade
de volta ao conteúdoEm janeiro de 2021, por conta de um acidente de energia elétrica na Europa, surgiu uma ameaça de apagão continental. Um mês depois, nos Estados Unidos, a falha nas instalações de geração de energia levou à ocorrência uma serie de apagões no Texas. O principal objeto de reclamações por parte da mídia e dos especialistas foi a política de desenvolvimento extensivo da geração de energia de fontes renováveis. Na França, Alemanha e Suécia, a mídia incitou a não criar problemas com suas próprias mãos.
Europa
Em 8 de janeiro de 2021, um acidente numa subestação na Croácia quase causou o colapso do sistema elétrico interconectado da Europa. Ela se dividiu em duas partes, cada uma tentando manter a frequência e economizar energia. Cerca de 200.000 residências em toda a Europa, assim como empresas industriais na França e na Itália, ficaram sem energia. As centrais elétricas em outros países da Europa tiveram que aumentar urgentemente o volume da geração para manter na rede os parâmetros técnicos necessários.
Na França, a subsidiária “Electricité de France” (EDF) lançou um apelo aos cidadãos para economizar a energia, desligar as luzes, reduzir o aquecimento para 17 graus (caso não houvesse ninguém em casa), adiar o acionamento das máquinas de lavar e desligar os roteadores caso ninguém fique on-line. A razão do apelo é o consumo excepcionalmente alto de energia, de 88 GW em todo o país em meio a um declínio na geração nas centrais nucleares. De acordo com a EDF, em janeiro, 44 das 56 unidades de energia foram desconectadas da rede elétrica, pois as restrições por conta do coronavírus impossibilitaram a realização das campanhas de reparos no tempo certo.
Os especialistas entrevistados pela mídia europeia apontaram que o entusiasmo pela geração de energia de fontes renováveis pode se tornar perigoso para a estabilidade do sistema energético. «Seria lamentável se tivéssemos muitas fontes renováveis na rede. Porque como não podemos simplesmente ligar as centrais eólicas aleatoriamente e se não temos energia solar suficiente, a rede provavelmente entrará em colapso. », – disse Peter Zeller, o professor de engenharia elétrica da Universidade de Ciências Aplicadas de Alta Áustria.
“O problema não aparece por conta da energia verde diretamente, mas pela diminuição da capacidade convencional. A consequência é uma lacuna na geração estável de energia elétrica e o equilíbrio da rede que deve ser corrigido.”, declarou Eglantine Kuenle, chefe modeladora de sistemas elétricos do Instituto EWI de Economia Energética da Universidade de Colônia.
Na Suécia, também estão sendo feitas perguntas sobre o impacto do descomissionamento das capacidades básicas de energia. «Com a desativação de Ringhals 1 e a chegada do que costumava ser um inverno sueco normal, estamos vendo o sistema elétrico sueco dando lugar a brechas. As regiões do sul do país, onde antes havia mais seis reatores, agora têm de importar eletricidade fóssil – seja carvão da Polônia ou Dinamarca ou gás russo, que está sendo queimado na Alemanha. O que aconteceria se um verdadeiro inverno rigoroso viesse?», – se perguntam no artigo “A Suécia deve reconsiderar sua política nuclear” para a edição sueca Dagens Industri, o CEO da WNA, Dr. Sama Bilbao y Léon e o gerente de relações públicas da WNA John C.H. Lindberg.
É possível que o problema de segurança do abastecimento na Europa só venha a piorar no futuro, uma vez que a Alemanha, que um dos maiores consumidores de eletricidade da região, pretende continuar retirando as capacidades nucleares e de carvão, que ainda fornecem a geração básica. A sua substituição por geração de energia proveniente de fontes renováveis está se tornando cada vez mais difícil, pois o público se opõe cada vez mais à construção de estações eólicas nas proximidades imediatas. Mas não se trata já da disponibilidade das capacidades instaladas, pois já existem mais do que suficientes na Alemanha. Em 2017, a potência das centrais elétricas renováveis era de 112 GW com um pico de consumo de energia de 80-85 GW. No futuro, o país carecerá de fontes de geração confiáveis, disponíveis em qualquer momento e não apenas em condições climáticas favoráveis.
Segundo o professor Harald Schwarz, da Universidade Tecnológica de Brandenburgo, o cenário planejado para o desenvolvimento do setor elétrico da Alemanha até 2030 pressupõe que a geração de energia das usinas térmicas e nucleares irá diminuir de 57,2 GW para 19,1 GW. Se este cenário se concretizar, a capacidade de geração disponível a qualquer momento vai diminuir de 87,2 GW em ano de 2017 para 54,8 GW em 2030. Isto está bem abaixo dos picos de carga de 80-100 GW projetados para 2030. E a expectativa de que com a escassez da capacidade disponível será possível importar eletricidade da Polônia ou da França pode não se confirmar – se os vizinhos, por exemplo, também enfrentarem um aumento da demanda ou uma insuficiência de geração em seus países.
As críticas ao fornecimento instável de energia na Alemanha são cada vez mais comuns na mídia: «A previsão das condições meteorológicas significa quase zero de energia solar, e os ventos fortes esperados podem requerer o desligamento de turbinas eólicas ou causar flutuações sérias na alimentação. Uma coisa é certa, a rede será desafiada durante as próximas horas e dias. O mais provável é que a rede aguente e mantenha todos fora do frio e da escuridão. Mas a má notícia é que no inverno a rede elétrica do país se transformou em um jogo de roleta da energia e os cidadãos têm que contar com “um pouco de sorte” cada vez que o clima se torna tempestuoso e bem gelado – em grande parte graças às desastrosas políticas energéticas do governo alemão. », – lamentou o blogueiro alemão especializado em temas climáticos e energéticos, Pierre L. Gosselin.
EUA
A chegada da tempestade, do frio e da neve, no Texas, era conhecida com pelo menos dois dias de antecedência. O fornecedor local de energia elétrica e gás, a CPS Energy, informou em 9 de fevereiro de 2021 que estava se preparando para condições climáticas severas e possíveis interrupções, bem como a necessidade de atender às solicitações dos clientes. Mas em 12 de fevereiro, o governador do Texas, Greg Abbott, declarou oficialmente como um desastre a situação em todo o estado.
Nos dias 13 e 14 de fevereiro, as autoridades da capital do Texas, San Antonio, e a empresa de rede elétrica – Electric Reliability Council of Texas (ERCOT) – emitiram apelos para minimizar o uso de energia devido à demanda recorde por eletricidade. As razões da comoção eram óbvias – as pessoas tentavam se manter aquecidas ligando os fogões e aquecedores elétricos.
Na noite de 15 de fevereiro, a ERCOT decidiu por apagões contínuos controlados. Os apagões deveriam durar algumas horas, mas de fato se prolongaram até 18 de fevereiro. As interrupções afetaram cerca de dois terços de todas as redes. Nas horas de pico, o número de clientes desconectados chegava a 4,5 milhões, tudo em meio a temperaturas anormalmente frias e de 3 a 6 polegadas de neve. Este foi um recorde desde 1985.
A situação dos habitantes do Texas foi agravada pelo fato de que as bombas nas redes de água também eram elétricas, por isso o abastecimento de água parou ou foi intermitente. «Na véspera das primeiras geadas, as lojas estavam inundadas de compradores, que se abasteciam de mantimentos. Ninguém podia imaginar que houvesse a necessidade de se preparar para outras coisas, tais como cortes prolongados de energia e falta de água. Os alimentos comprados de antemão não podiam ser esquentados, muito menos cozidos. Ninguém tinha pensado em estocar lenha ou propano, e muitos tiveram que encontrar maneiras de aquecer suas casas em situações de emergência. Os edifícios no Texas, onde são quase inexistentes as temperaturas abaixo de zero, não são planejados para geadas e falta de eletricidade, e esfriam completamente em algumas horas a -10°C do lado de fora. », – disse a estudante de pós-graduação da Universidade do Texas A&M, Catherine Maynor, compartilhando suas impressões.
O início do restabelecimento do fornecimento de energia elétrica só foi possível em 18 de fevereiro. Ao longo dos dias seguintes, à medida que a temperatura subia, o fornecimento de energia gradualmente voltou ao normal. Agora o Estado está em debate sobre quem e como pagará a eletricidade, cujo preço disparou em 16.000% chegando a 9.000 dólares por MW – a máxima possível no mercado.
O apagão do Texas foi causado por uma falha de 46 GW na capacidade instalada, – cerca de 40% da capacidade de geração do estado. 61% delas são usinas a carvão e a gás, enquanto 39% são de geração de energia renovável. Dessa forma, segundo dados da ERCOT, às 20h15 do dia 15 de fevereiro, dos 30 GW da capacidade instalada de parques eólicos no Texas, apenas 800 estavam fornecendo energia elétrica.
Além disso, a Unidade 1 da South Texas Project, a central nuclear no Texas, foi temporariamente desligada. A razão do desligamento foi o falso acionamento do sensor de proteção da bomba de alimentação da água. E o sensor, por sua vez, acionou devido à ausência de uma sala de turbinas. Como explicou em seu blog o especialista da indústria nuclear Rod Adams, as turbinas da STP estão localizadas ao ar livre.
Nos Estados Unidos, discute-se se a situação no Texas exacerbou o número mínimo de conexões de rede com estados vizinhos e se o Texas poderia receber eletricidade em condições em que eles também foram forçados a lidar com o aumento da demanda por eletricidade devido ao clima frio anormal. No entanto, os participantes do debate público e as autoridades estaduais concordam que o sistema de fornecimento de energia elétrica do Texas não estava preparado para o frio anormal – apesar de sua natureza pouco frequente, mas ainda recorrente.
O Texas enfrentou o mesmo clima frio 10 anos atrás, com o mesmo resultado: interrupções de energia e equipamentos elétricos parcialmente danificados. «As principais recomendações de vários especialistas eram exigir a preparação para o inverno das instalações de geração de energia e da infraestrutura de fornecimento de combustível, tais como gasodutos, e providenciar a capacidade de geração de reserva que seria necessária quando a demanda aumentasse ou quando alguns fornecedores se desligassem. Ambas as medidas implicariam custos um pouco mais altos e resultariam em tarifas elétricas ligeiramente mais altas. Mas elas poderiam ter evitado os custos muito mais altos que os texanos enfrentam agora devido à interrupção dos negócios, tubulações quebradas, inundações e disparos nas contas de energia elétrica – sem mencionar o sofrimento humano e a morte. », – relembra Jeffrey Ball do texasmonthly.com.
Há também um debate a respeito da confiabilidade da geração de energias renováveis. «Os apagões do Texas provam “como o Green New Deal (novo acordo verde) seria um acordo mortal para os Estados Unidos da América», – declarou o governador do Texas. No entanto, os meios de comunicação locais não se esquecem de dar um toque político a estas disputas, salientando, por exemplo, que Greg Abbott é um republicano. Posteriormente, o governador admitiu que as centrais a gás também têm se mostrado instáveis a baixas temperaturas.
Outro aspecto do debate é a resistência das turbinas eólicas ao gelo. Os defensores das energias renováveis insistem que o problema não reside tanto no princípio do funcionamento das turbinas eólicas, mas sim no fato de estas não terem sido preparadas ou mesmo concebidas para funcionar durante o tempo frio.
Consequências
Na Europa, que reagiu de forma mais radical ao acidente de Fukushima, começam gradualmente a surgir publicações que exigem a preservação e o desenvolvimento da energia nuclear, que proporciona tanto um fornecimento estável de energia eléctrica e não gera emissões perigosas na atmosfera. «Fazemos um apelo ao governo sueco para que reexamine a sua política nuclear e confirme o que a ciência tem afirmado ao longo de décadas: que a energia nuclear não só fez da Suécia um país muito bem-sucedido, mas também que a energia nuclear pode trazer enormes benefícios a todas as partes do nosso planeta», – declararam os representantes da WNA.
Horst-Michael Prasser, o professor emérito de sistemas de energia nuclear na ETH, afirmou, em uma conferência do Fórum Nuclear Suíço, que «abandonar a energia nuclear é mais arriscado do que continuar a operar centrais nucleares contemporâneas». Caso contrário, é possível que ocorram riscos ambientais significativos.
«Na Suíça, não será possível substituir o fornecimento de energia das centrais nucleares apenas pela energia eólica e solar. Mais cedo ou mais tarde, o governo terá de pensar em possíveis alternativas. Uma vez que as centrais eléctricas alimentadas a gás estão sabotando o alcance do objetivo climático e a segurança das importações provavelmente em breve estará ameaçada, surge a questão das futuras novas centrais nucleares», – menciona a nota sobre o relatório de Horst-Michael Prasser.
Mesmo que os desastres climáticos durem apenas alguns dias em poucos anos, suas consequências podem ser sentidas por muito tempo depois, afetando a vida diária e o bem-estar das pessoas e da economia. A confiabilidade do fornecimento de eletricidade está sendo gradualmente reconhecida como não menos valiosa do que o respeito ao meio ambiente. Devido a requisitos de segurança mais rigorosos, as modernas usinas nucleares são instalações seguras que podem fornecer eletricidade em todas as condições climáticas do extremo norte até os trópicos. Existem exemplos de centrais nucleares da Rosatom que estão operando em Chukotka, bem como na Índia e na China e uma central nuclear está em construção em Bangladesh.